Tudo
bagunçado aqui dentro e lá fora. Faz calor em ambos. Há mais de trinta e
poucos andares do chão, enxergo a cidade e suas luzes, sua cores
desinibidas, sem vergonha alguma por serem tão escandalosas e intervirem
nos designos da natureza. A noite quis ser escura por aqui mas viu que
não deu e calou-se!
Daqui a gente enxerga com precisão os detalhes da pequenez alheia.
As pequenas coisas são incrivelmente detalhadas e veja só, descubro que
sou tanto quanto. Pequena, indefesa, nesse lugar onde a lei que
predomina não fui eu que impus. Os regimes são desconhecidos pelo
pessoal do qual eu sou descendente. Eterna estrangeira eu sou,
gringalesca por imposição. Minha cor e voz se fazem exuberantes diante
de tanta palidez.
Vontade de fugir eu tenho todos os dias confesso,
mas da bagunça interna ninguém foge meu caro. Ou arruma, ou se perde e
eu pareço mais perdida do que certos aviões por aí. Aonde é que eu fui
parar? Aleijada da essência, desacompanhada da paz e da calmaria. Eu
poderia bem escrever uma canção que virasse “hit” da moda, mas eu ando
vazia baby desde que pisei nas nuvens, naquele certo dia, o primeiro dia
de uma longa história que começou.
Ninguém me acompanha, nem eu. Eu
nunca fui de sobreviver antes. Era vida ou nada e hoje, apenas passo os
dias numa contagem regressiva que não progride por pura birra. Todos os
dias são os mesmos, todas as horas são iguais. Secura de versos,
inanição de poesias, pobreza de amores. Como alguém que tem seus
benefícios cancelados ao mesmo tempo, na maior covardia, sem aviso
algum, assim eu fui. Roubada dos braços da felicidade que me embalava em
seu colo maternal. Um roubo concedido por mim mesma. Lições de um predestino traçado precocemente no topo de um elevado. “Destino é
destino. Não que você queira, mas irá aprender!”, foi o que me disseram
antes de me trazerem aqui. Aqui pro trigésimo terceiro andar desse lugar
aonde não fui eu que impus as leis e blá blá blá.
Eu sei que eu já
disse antes, mas repito que ando vazia e mesmo assim eu preciso escrever
uma história antes de voltar pra casa. Questão de honra pra fazer a
sobrevida valer a pena. Eu morreria se sobrevivesse só por viver.
Talvez a história não seja a minha. Eu tenho essa mania de rabiscar o
roteiro dos outros, que seja. Que o tempo ruja, que as horas me
alcancem aqui no alto, antes que eu me torne parte dessas paredes, que
eu vire objeto da mobília aqui plantada, coisas que eu até suportaria
com certa coragem. Ser estrangeira do mundo eu aceito, o que dói mesmo é
ser forasteira de mim mesma, estar tão perdida aqui dentro de mim. Um
dia me acho por orgulho e teimosia. Se o tempo não passa, eu passo,
escreve aí. Queira o destino ou não, no próximo verão eu serei
absurdamente feliz, sem objeções importadas, conterrânea legítima do
lugar que é meu.
Um comentário:
Você faz muita falta.
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